Em data de 25 de Abril de 2019, foi publicada, no Diário Oficial da União, a Lei Complementar 167/2019.
Referido Diploma Legal, além de criar o Inova Simples[1] – analisado em publicação anterior – instituiu a figura da Empresa Simples de Crédito (ESC).
Como a própria Lei define, em seu artigo primeiro, a ESC é uma empresa de âmbito municipal ou distrital, com atuação exclusivamente no Município de sua sede e em Municípios limítrofes, ou, quando for o caso, no Distrito Federal e em Municípios limítrofes, que se destina à realização de operações de empréstimo, de financiamento e de desconto de títulos de crédito, exclusivamente com recursos próprios, tendo como contrapartes microempreendedores individuais, microempresas e empresas de pequeno porte, nos termos da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006 (Lei do Simples Nacional).
Ao ser constituída, a ESC deve ter por objeto as finalidades acima referidas, bem como adotar uma das seguintes formas: a) empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI), b) empresário individual; ou c) sociedade limitada constituída exclusivamente por pessoas naturais (vide art. 2º, caput).
É vedado que adote, em seu nome empresarial ou em qualquer texto de divulgação de suas atividades, a expressão banco ou qualquer outra que a identifique como instituição autorizada a funcionar pelo Banco Central do Brasil. Por outro lado, junto ao nome empresarial, constará, obrigatoriamente, a expressão “Empresa Simples de Crédito” (art. 2º, §1º).
Adiante, a Lei prevê que o capital inicial e os posteriores incrementos deverão ser integralizados em moeda corrente (art. 2º, §2º), disciplinando, ainda, que o valor total das operações de empréstimo, financiamento e desconto de títulos de crédito efetuadas pela empresa não poderá ser superior ao capital integralizado (art. 2º, §3º).
O Diploma Legal estabelece, ainda, algumas vedações, tanto às pessoas naturais que constituírem ESC, quanto às próprias atividades da empresa.
Em relação à primeira, tem-se que as pessoas naturais são autorizadas a participarem apenas de uma ESC em todo o território nacional, restando impedidas, inclusive, de integrarem outras empresas sob a forma de filiais (art. 2º, §4º).
No que diz respeito às atividades da empresa, os incs. I e II, do art. 3º, obstam: a) qualquer captação de recursos, em nome próprio ou de terceiros, sob pena de incursão nas sanções do crime disciplinado no art. 16, da Lei nº. 7.492/86[2]; b) sejam procedidas operações de crédito, na qualidade de credora, com entidades que integrem a administração públicos direta, indireta e fundacional de quaisquer dos poderes públicos.
Já o art. 4º estabelece que a receita bruta anual das ESCs não poderá exceder o limite de R$ 4.800.000 (quatro milhões e oitocentos mil reais)[3]. A Lei define, como receita bruta, “a remuneração auferida pela ESC com a cobrança de juros, inclusive quando cobertos pela venda do valor do bem objeto de alienação fiduciária” (art. 4º, parágrafo único).
A remuneração das ESCs, inclusive, somente pode ser auferida por meio de juros remuneratórios, restando vedada a cobrança de outros encargos, tais como tarifas (art. 5º, inc I). Vale ressaltar que a própria legislação permite, contudo, que a empresa se utilize do instituto da alienação fiduciária em suas operações (art. 5º, §1º).
O pacto entre a ESC e a contraparte deve ser firmado por instrumento próprio, cuja cópia, evidentemente, deve ser disponibilizada ao contratante (art. 5º, inc. II). Além da disposição em contrato específico, as operações deverão ser registradas “em entidade registradora autorizada pelo Banco Central do Brasil ou pela Comissão de Valores Mobiliários, nos termos do art. 28 da Lei nº 12.810, de 15 de maio de 2013” (art. 5º, §3º).
Esta previsão está ligada, essencialmente, ao que disciplina o art. 6º da Lei Complementar, ao facultar ao Banco Central o acesso a tais informações para fins estatísticos e de controle macroprudencial do risco de crédito, não constituindo esta consulta violação ao dever de sigilo.
Mais. Também a fim de facilitar o registro e o controle das movimentações dos recursos entre as partes, tem-se que estas, obrigatoriamente, terão de ser realizadas mediante débito e crédito em contas de depósito de titularidade da empresa e da contratante (art. 5º, inc. III).
Importantes previsões da Lei Complementar 167/2019, dizem respeito à não aplicação, às ESCs, das limitações à cobrança de juros disciplinadas pela Lei de Usura[4] e pelo Código Civil[5], bem como à sujeição destas empresas aos regimes de recuperação judicial, extrajudicial e falimentar, todos regulados pela Lei de Falências[6] (vide arts. 5º, §4º e 7º, respectivamente).
Como deveres impostos às ESCs, destacam-se, ainda, a necessidade de que mantenham escrituração, observando as leis comerciais e fiscais, bem como que enviem a Escrituração Contábil Digital (ECD) através do Sistema Público de Escrituração Digital (Sped) – vide art. 8º.
Além das regulamentações na área cível, no bojo da Lei Complementar, é possível se verificar uma previsão penal, qual seja, a de que constitui crime o descumprimento daquilo se encontra disposto no art. 1º; no § 3º, do art. 2º; no art. 3º; e no caput do art. 5º, todos da Lei Complementar, ao qual são impostas as penas de reclusão, de um a quatro anos, e de multa.
O diploma legal faculta, ainda, ao Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), que apoie a constituição e o fortalecimento das empresas simples de crédito (art. 10).
Ao fim, são promovidas alterações em dispositivos das Leis nº. 9.613/1998 e nº. 9.249/1995 e na Lei Complementar de nº. 123/2006.
Em relação à primeira, incluiu-se as ESCs ao rol de empresas que sujeitam-se aos mecanismos de controle elencados na Lei de Lavagem de Dinheiro, consistentes, em suma, em obrigações de identificação de clientes, de manutenção de registros e de comunicação de operações financeiras. Tais encargos estão enumerados nos arts. 10 e 11 de aludido Diploma Legal[7].
No tocante à segunda[8] e à terceira[9], fixou-se que as ESCs não poderão optar pelo regime tributário do Simples Nacional, uma vez que, ao serem tributadas pelo lucro presumido ou estimado, restará aplicado o percentual de presunção de 38,4% para apuração das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.
Pois bem.
Da BREVE ANÁLISE à Seção I da Lei Complementar nº. 167/2019, conclui-se por evidente o propósito de se facilitar, às micro e pequenas empresas, o acesso ao crédito – o qual, em tese, não obteriam, nos mesmos termos, junto às instituições financeiras.
Além disso, objetiva-se, por meio da legislação, incentivar a movimentação de recursos que, anteriormente, estavam estagnados, em contas de depósito de pessoas físicas, garantindo a estas, em contrapartida, incremento no percentual de remuneração pelos ativos.
Percebe-se, ainda, a intenção de formalizar e ter maior controle sobre operações de créditos que já são verificadas, mesmo que ilegalmente, no cotidiano empresarial.
De acordo com notícia veiculada no portal eletrônico do Senado Federal[10], “o governo estima que a criação da ESC pode injetar R$ 20 bilhões, por ano, em novos recursos para os pequenos negócios no Brasil.”
Tal aporte representaria o crescimento de “10% no mercado de concessão de crédito para as micros e pequenas empresas, que, em 2018, alcançou o montante de R$ 208 bilhões”, sendo que, consoante estimativa do SEBRAE, mencionado resultado deve ser alcançado no momento em que as primeiras mil empresas simples de crédito entrarem em atividade.
Diante de tamanha expectativa, é fundamental, pois, aos profissionais das áreas do Direito, da Administração e da Economia, acompanhar o início e desenvolvimento das atividades das ESCs, a fim de, não só perceber seus reflexos financeiros, mas também identificar eventuais questões jurídicas que venham a surgir nesse contexto, incluindo-se possíveis desvios da finalidade da lei e até mesmo burlamentos de suas previsões, especialmente as referentes à vedação de captação de recursos de terceiros.
Tendo interesse, leia a Lei Complementar 167 de 2019 na íntegra clicando aqui.
[1] Figura que consiste, basicamente, em regime jurídico especial conferido às startups ou empresas de inovação.
[2] Disponível em: <<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7492.htm>>
[3] Mesmo limite de receita bruta conferido à Empresa de Pequeno Porte (EPP), junto ao art. 3º, §3º, da Lei Complementar nº. 123/2006, com redação conferida pela Lei Complementar nº. 155/2016.
[4] Vide Decreto nº 22.626, de 7 de abril de 1933.
[5] Vide art. 591 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.
[6] Lei de nº. 11.101/2005.
[7] Lei nº. 9.613/1998. Disponível para consulta em: <<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9613.htm>>
[8] Lei nº. Nº 9.249/1995. Disponível para consulta em: <<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9249.htm>>
[9] Lei Complementar nº. 123/2006. Disponível para consulta em: <<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp123.htm>>
[10] Disponível em: <<https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/04/25/empresa-simples-de-credito-vira-lei>>